terça-feira, 19 de maio de 2009

Sobre o feminismo nosso de cada dia: post I

Garota: ... e minha próxima compra será um estojo de maquiagem com uns 10 compartimentos, é importado, custa 50 reais!



Garoto 1: Ué, por que gastar 50 reais em um estojo de maquiagem?



Garoto 2: *interrompendo a garota antes desta responder* Porque ela é mulher, oras!



Garota: *rindo* É isso mesmo!





Escutei, sem querer - afinal, estava sentada ao lado deles - essa conversa, ontem à noite, no metrô. Minha primeira e instintiva reação foi virar-me bruscamente e fechar a cara. Tenho certeza que os três notaram minha reação, e voltei logo para a revista que estava lendo.



Mas fiquei com aquilo na cabeça. Algumas estações depois, encontrei-me com P. e contei sobre o que tinha acontecido. Aquilo havia me incomodado. Tantas coisas erradas naquela conversa...

O garoto concluiu que a única e lógica razão pela qual uma garota compraria um estojo de maquiagem caríssimo é porque, bem, ela é uma garota. Logo, ela gosta de maquiagem. Não só isso: ela prioriza tanto isso que compra um estojo por um preço que ele julga excessivo.



E na pergunta do outro? O tom de desprezo, de sarcasmo. Ele tem certeza da futilidade de se comprar um estojo de maquiagem, pior ainda, por 50 reais.



E o riso condescente da garota, concordando com os dois.



P. virou-se pra mim e disse que a resposta que a garota deveria dar, a interrompida, seria "sim, gasto mesmo porque sou obrigada por essa sociedade machista e hipócrita a usar maquiagem".



Não, é um tanto pior. A garota não é obrigada a usar maquiagem. Ela é obrigada a gostar de maquiagem, sem nem perceber. É obrigada a gostar de maquiagem e não de ferramentas. É obrigada a gostar de maquiagem porque seria isso que a definiria como mulher, que a limitaria e categorizaria como mulher.



E são essas limitações e diferenciações de gênero, se podemos assim chamá-las, que me irritam. Desde pequena, era só me dizer que eu não poderia fazer tal coisa "porque eu era menina" que eu já me sentia desafiada. Oras, por que não? Por que o fato de eu ser uma menina automaticamente me proibida de alguma coisa?

E é especialmente perigoso por estar tão arraigado em nossa sociedade que nem mais notamos. Estamos tão acostumados a colocar roupinhas cor de rosa em menininhas e roupinhas azul em menininhos que nem percebemos que isso é algo essencialmente cultural. Estamos tão acostumados a não deixar uma mulher carregar peso que nem notamos que isso é uma forma de diminuir o caráter do gênero. Oras, você não pode ser forte, você é mulher. E força é um traço masculino e viril.



A verdade é que faz tempo que isso não faz mais sentido. Principalmente numa sociedade como a nossa. Não há mais espaço para a limitação do gênero feminino quando conquistamos profissões antes apenas exercidas por homem, ou participamos de esportes antes reservados aos homens, ou tomamos o lugar destes na liderança do lar. Como não dizer que as mulheres não são fortes, corajosas, decididas nesse contexto?



Acredito que não há nada que nós mulheres não possamos fazer por incapacidade intrínseca de nosso gênero. E mais ainda, não acredito que sejamos limitadas por nosso sexo a gostos e desgostos e preferências de qualquer tipo. Conheço muitas meninas - muitas heterossexuais, para desmitificar outro estereótipo - que não ligam pra roupas, sapatos, maquiagem, cabelo ou tantas outras coisas que temos que incorporam porque, dizem, é "coisa de mulher".



Não acho errado se gostar de maquiagem, oras. Eu mesma tenho meus delineadores e blushes e máscaras. Mas triste é ver a garota aceitar, com um sorriso, um comentário tão machista, massacrante e limitante.



Quem sabe um dia vamos parar de olhar pro outro e classificá-lo logo de cara, como homem, mulher, gay, lésbica, negro... e olhá-lo como ser humano. E só. =)



---



E mudando um pouco de assunto, na trilha do seriado global Força Tarefa, a novela da Record Poder Paralelo vai retratar, surpreendentemente, um casal lésbico - interpretados pelas belas Paloma Duarte (ela tem um sex appeal, não?) e Adriana Garambone.



Surpreendentemente, eu digo, porque é uma novela da Record. E todos nós sabemos o que a Igreja Universal, que é dona da Record, acha dos homossexuais.



Apesar de alardear a informação, a equipe da novela já reclama que as cenas provavelmente serão bem editadas, principalmente porque boa parte da novela já é censurada por seu conteúdo.



É esperar pra ver... ou pelo que estou prevendo, pra não ver.

5 comentários:

Laiz C. disse...

"Don´t buy a zine that says to you
that you have to hear make up,
don´t buy a zine that says to you
that you have to lose some heigth"

[Dominatrix - My New Gun]

Acho que essa gartoa do metro precisa conhecer essa banda e essa música, quem sabe ela não acorda?

Muito bom o post.

=***

C. June disse...

Obrigada, LD!

E eu pensava mesmo no Dominatrix quando escrevi o post. É bem isso mesmo.

Bom, vai ficar difícil dela acordar. Minha mãe tenta há anos me convencer a ser mais "vaidosa!, hahaha. Mas é sempre bom dar o recado, quem sabe um dia alguém ouve...

P. June disse...

Que orgulho de você! Só podia ser minha namorada mesmo! ;D

E L.D., eu AMO Dominatrix!!!

Señorita Malagueta disse...

olaaa gostei do post e do blog...Beijos meninas!

π disse...

Ótimo texto, muitos dos meus pensamentos contidos juntos... A única razão que eu tenho pra, quem sabe um dia, adotar um filho (jamais terei um meu! credo!), seria pra subverter as convenções e ensinar tudo "ao contrário". Eu ficaria muito MUITO TRISTE se meu filho saísse como uma criatura machista escrava das regrinhas hipócritas da sociedade. Menino tem que brincar com boneca sim! Menina tem que brincar de carrinho sim!

 
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