segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Você vendeu o movimento feminista, véio!

Cara, e a nova propaganda do Boticário, hein?

Sabe, quando eu era adolescente, detestava quando homens mexiam comigo na rua. Tinha um verdadeiro asco por aqueles tiozões borracheiros com aquela barriga de cerveja enorme te mirando de cima a baixo e dizendo "e aí, princesa?".
Um dia, voltando revoltada da escola com as coisas que ouvi na rua, disse a minha mãe que odiava que mexessem comigo. Minha mãe retorquiu com um "mas toda mulher gosta de se sentir bonita, gosta de elogios". Eu disse que não, que EU não gostava, que EU queria passar pela rua despercebida, quietinha, com meus pensamentos e minha mochila. Estufei o peito, empinei o nariz e bradei "porque eu, mamãe, eu sou feminista!"
Minha mãe fez uma cara de horror e disse "Credo! Isso não! Feminismo é coisa de lésbica e mal-amada!"

(Ok, mamãe, você adivinhou a metade...)

Eu tinha 15 aninhos quando isso ocorreu, e lembro que a crítica de minha mãe bateu fundo. Por anos, eu me identificava com todos os ideais, mas tinha medo de me aprofundar, de me auto-denominar feminista, porque era uma coisa ruim. Chata. Radical. Eu temia ficar chata, entediante e radical.

Por que digo isso? Porque ao ver a nova propaganda do Boticário e perceber algo que eu provavelmente não perceberia aos 15 anos de idade, eu sinto que prefiro ser chata, entediante e radical do que engolir a pretensão, a hipocrisia e a manipulação contidas no comercial.

Prometo que vou achar um vídeo pra postar aqui do comercial, mas a história é essa: eles mostram imagens em preto e branco nos lembrando que as mulheres lutaram por seus direitos em épocas passadas. E conseguiram. (Entra então uma executiva andando com passos de Gisele Bündchen pela rua, toda linda e produzida.)
Mas então, foram usurpadas de um bem importantíssimo: tempo. Tempo? Sim.

Tempo de cuidar de sua beleza, oras!

Pra começo de conversa, é de uma heresia ímpar usarem o movimento feminista para vender creme pro corpo, assim como é usar os ideais de qualquer movimento pra vender algo que seja, no fundo, contrários ao próprio movimento e/ou, simplesmente, comerciais.

Mas o pior de tudo é usar o feminismo para passar uma ideia essencialmente oposta ao próprio feminismo. Afinal, você fala em feminismo e diz que a mulher precisa dedicar seu tempo para cuidar de sua beleza? De sua aparência? E onde isso está diferente do que diziam ANTES dessas citadas conquistas?

Empresários são conhecidos por seus negócios. Independente de serem altos, baixos, gordos, magros, empresários são empresários. Agora a mulher empresária, de acordo com a campanha, deixou de lado seus cremes. Deixou de lado seu tempo pra beleza. Deixou de lado, enfim, sua feminilidade. Os homens não precisam escolher entre família e emprego. Não precisam dedicar um tempo de seu dia para "cultivar" a sua virilidade. Afinal, ser pai é viril. Ser empresário é viril. Trabalhar e tomar uma cervejinha no bar são igualmente atos viris. A virilidade vem naturalmente.

Já a mulher precisa reservar um tempo para se manter mulher. Em casa, na cozinha, na frente do espelho passando batom, ela se torna mulher. A partir do momento que põe o pé pra fora, vai trabalhar, vai realizar todas aquelas coisas que conquistou, ela deixa de ser mulher. Ela é, como dizem os ingleses, "the odd man out" - o intruso.

E é isso que o Boticário realmente está dizendo no seu comercial simpático e "feminista", que na verdade mascara com um falso feminismo, um feminismo de boutique sex-and-the-city, o mesmo discurso conservador que permeia as palavras de minha mãe 9 anos atrás e toda a base de nossa sociedade ainda tão arcaica e machista: Parabéns por ter conseguido seus direitos, mulher. Só que isso fez de você menos mulher do que sua avó era. Mas não faz mal. Nosso creme está aqui pra recuperar a mulher que você perdeu.

Valeu, mas eu passo. Prefiro continuar sendo uma mulher chata, entediante e radical. Pelo menos aí, vocês não podem tirar a mulher de dentro de mim!

6 comentários:

P. June disse...

Caralho!

Amei o post, gata! Suas críticas são profundas e muito inteligentes.

Os estereótipos de gênero precisam ser aniquilados. Reestruturados. Jamais engolidos sem reflexão.

Permaneceremos chatas, entediantes e radicais, então. Mas mentes pensantes. Sempre.

Somos nós a verdadeiras mulheres.

Cames disse...

Nem 8 nem 80... É dificil achar um meio termo quando você tem q trabalhar muito mais para ser vista como igual. Mas também ninguém quer uma namorada com pelos nas exilas e cabelo desgranhado. Acho sim um absurdo a mulher se vender para um pote de creme, mas também não podemos deixar de nos cuidar por isso nos tornar mais frágeis. Devemos fazer o que gostamos o que nos faz bem. Eu me sinto bem trabalhando, dando ordens, mas também me sinto bem fazendo as unhas, depilando, hidratando o cabelo...

bjs, Cames

C. June disse...

Para Cames (quase minha xará!):
Concordo com você plenamente. O que quero criticar no post não é o ato de se cuidar. Afinal, quem me conhece na vida real sabe que eu faço escova progressiva no cabelo, nunca deixo de tingí-lo de vermelho, e tenho uma preocupação com meu estilo de se vestir. O que eu critico é atribuírem o "se cuidar" uma condição de característica intrinsecamente feminina.
A feminilidade NÃO está em cuidar da aparência. Aliás, eu até ouso concordar com quem diz que feminilidade não existe. Pintar os cabelos não me faz mais mulher do que a garota que escolhe ter cabelos desgrenhados. Não fico mais mulher do que qualquer outra por se depilar. Não é isso que define ninguém por mulher.
O que me incomoda não é a mulher que passa o creme no corpo, mas é a mulher que se sente mais mulher do que eu porque eu eventualmente não o faço. O que me incomoda é a indústria, a publicidade e a sociedade me dizerem que, se eu não passar o creme, serei menos feminina.
Se fulana quer ter pelos nas axilas ou quer passar creme nas pernas, ela tem todo o direito de fazer os dois. Julgar a qualidade de mulher dela por um ou outro é que acaba sendo puro preconceito.

(E cara, eu acabei escrevendo uma puta bíblia, desculpe!)

Mallika disse...

Eu achei escrotíssima essa propaganda.
Logo no início eles falam que a mulher perdeu tempo com suas conquistas. Oi? Como assim? Quer dizer que o importante era passar o tempo se embonecando?
Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhh..
Façam-me o favor.. Escrotérrima!

Eu nem ia falar sobre isso, pq assisto pouquíssimo a TV, mas achei super oportuno teu post.

Xêro!
Sem boticário.

P. June disse...

Também achei a propaganda escrotérrima...

Nos cuidar não nos deixa mais frágeis. Essa confusão ocorre frequentemente porque dedicar tempo à aparência é considerado culturalmente um comportamento feminino e o feminino é associado à fragilidade.

Não acho que você deva se preocupar se alguém vai querer ou não uma namorada com pêlos ou cabelos bagunçados, e sim se você se sente bem com pêlos e cabelos descuidados. Se você se sente bem consigo mesma, ótimo. Se você gosta de se depilar e tratar o cabelo, ótimo. Faça o que fizer você se sentir bem, exatamente por esse motivo.

A verdade é que masculinidade e feminilidade não têm nada de natural, não decorrem das diferenças biológicas entre os gêneros. Masculinidade e feminilidade são conceitos puramente culturais - e a maior prova disso é que eles variam de cultura para cultura. Basta se atentar para o Chanzú chinês e as argolas nos pescoços tailandesas.

Na cultura ocidental moderna, a preocupação com a aparência é um comportamento associado ao feminino. E as ditas conquistas da mulher, como trabalhar, ainda são associadas ao masculino. Por essa razão, elas teriam, supostamente, retirado a "feminilidade da mulher". Retirado seu TEMPO para se comportar consoante o estereótipo ditado pela sociedade, compreendido pelas pessoas como o "ser mulher". Como se ser mulher estivesse ligado a cuidar da aparência.

Eduardo disse...

E aí moça! Curti teu comentário. Minha namorada é feminista, ela vai vibrar quando ver o seu texto! E você escreve bem... parabéns!

E cuidado com esse pinto ae!! rs

 
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