Estava eu dividindo meu tempo entre uma monografia que me arrancou sangue e a Copa do Mundo, e agora que eu finalmente entreguei meu trabalho para a primeira vista do orientador (medo!) e o Brasil foi eliminado do Mundial pela seleção dos drugues vikings - sacou a piada? - eu voltei.
Retornei, e com o coração partido, porque nunca acompanhei uma Copa como essa. Deixava guardadinha na minha mesa uma tabelinha dos jogos, e a preenchia conforme a Copa avançava, contava os pontos na primeira fase para ver as chances das minhas seleções do coração (Brasil e Inglaterra, of course, e os Bafana Bafana, de quem eu era fã desde criancinha - mentira), acompanhava os jogos pela TV ou pela internet e até cheguei a ouvir a narração por rádio, gente, olha isso! Aliás, narração de jogo por rádio é a coisa mais divertida ever, eu devia tentar mais. Aqueles comentaristas são todos doidos e bizarros.
Que triste ver o Brasil não jogando com todo seu potencial. Tirando o jogo com o Chile - que não era um adversário difícil, convenhamos - o Brasil não mostrou o futebol que pode ter. Kaká, apesar de tudo que disseram, não está recuperado e bem para jogar uma Copa do Mundo, e mesmo que estivesse, os holofotes jogados nele acabaram atrapalhando seu futebol - os holandeses hoje mal deixavam o garoto se mexer. É claro que a grande estrela seria marcada como se quatro muros de pedra fossem construídos em volta dele. Não sei se a culpa é de Dunga, se é de Felipe Melo e sua expulsão (duvido que seja), o fato é que jogamos um bom primeiro tempo e um péssimo segundo e merecemos sim ser eliminados. Justo nessa Copa, que eu torci tanto!
Chora não, Julio. Você, pelo menos, fez o seu papel.
Acho que minha eterna identificação com os fracos, oprimidos e marginalizados - é assim que minha mãe vê minha personalidade, pelo menos - fez esse Mundial me emocionar. Juro que chegou a sair lágrimas dos meus olhos vendo o vídeo oficial da música da Shakira*, porque é simplesmente tão bonito ver um país que virtualmente nem existia 30 anos atrás conduzir uma Copa do Mundo, ver aquelas imagens do Nelson Mandela saindo da prisão combinadas com o povo sul-africano e suas dancinhas coreografadas e porra, eles estão curtindo muito isso. Depois de anos sofrendo e lutando para sentir que pertenciam ao seu próprio país, eles agora podem se apresentar como anfitriões de uma festa. Podem me chamar de ingênua, eu sei que tem muita politicagem e interesses por trás da existência da Copa, mas que isso é uma coisa muito boa de se ver, é sim.
O que não é uma coisa muito boa de se ver é a necessidade de existir uma campanha contra o racismo dentro da Copa do Mundo, principalmente uma acontecendo em um país africano onde, até poucos anos atrás, brancos e negros viviam divididos por conta de um regime político ridículo, para dizer o mínimo. Aquele texto decorado que Lúcio e o capitão da Holanda repetiram em suas respectivas línguas não deveria ter razão de ser, não deveríamos ter de pedir para que as pessoas que foram assistir a uma competição em solo sul-africano de um esporte em que um grande número de seus praticantes são afro-descendentes digam NÃO ao racismo. É algo implícito, oras. É uma iniciativa válida, mas eu julgo uma imbecilidade que isso ainda aconteça nos gramados pelo mundo afora. Aliás, é uma imbecilidade que o racismo ainda exista em qualquer lugar desse planeta.
E imbecilidade por imbecilidade, parece que a ocorrência da Copa do Mundo dá a todo mundo carta branca para ser machista. Marketeiros, produtores de TV e o dono do bar da esquina, todos vestem a camisa verde-amarela, sopram suas vuvuzelas e aproveitam pra lembrar que mulher é um bicho burro que não entende nada de futebol.
Primeiro, vieram as campanhas do "o que você vai fazer enquanto seu namorado/marido/ficante/pai/irmão/figura masculina de sua vida fica assistindo os jogos de futebol"? É claro que as opções são inúmeras, como fazer compras, sair pra balada, passear com as amigas, e... fazer compras. Claro. Não passa nem pela cabeça a opção de, sei lá, hmmm, acompanhar o supracitado ente querido masculino assistindo os jogos? Que isso. Que mulher loooouca faria uma coisa dessas?
Daí, quando a coisa foi ficando escancarada demais e o 1% que homens/mulheres-acéfalos aprenderam com o movimento feminista veio à tona, eles decidiram que o lance era incluir a população feminina na Copa. Sim, porque mulher também gosta de futebol! Como por exemplo... das pernas dos jogadores! Daí vieram as enquetes em sites do tipo "qual é o jogador mais gato da Copa do Mundo?", ou seus equivalentes em homofobia, como colocar os maquiadores e cabeleireiros da SPFW comentando o look do Cristiano Ronaldo e do Kaká - porque homens gays e mulheres hetero só entendem alguma coisa se o approach for encaixar o assunto na seção "moda e estilo".
A grande tristeza é que muitas mulheres caem nessa - assim como caem em todas as outras armadilhas do machismo velado. No meio do grupo de pessoas do trabalho com quem fui assistir aos jogos da tarde havia muitas meninas que se resumiam a gritar "lindo!" e "gato!" quando Kaká passava pela câmera. Ouvi uma mulher no ônibus dizendo que jogo da Copa era bom porque "ela saía do serviço e tinha tempo de lavar e passar roupa enquanto o marido ficava na TV". E até algumas amigas minhas, de brincadeira, constataram que eu era um "menininho" quando a Pê comentou que eu estava ligada no que estava acontecendo no Mundial.
Volto à discussão anterior do racismo. É chocante que ainda exista a necessidade de se estender uma faixa escrito "diga NÃO ao racismo" no meio de uma cerimônia antes do início de um jogo de futebol, assim como é chocante que as pessoas fiquem quietas assistindo à TV dizendo que uma mulher tem que arrumar o que fazer enquanto seu macho se preocupa com a Copa do Mundo e que os fashionistas da SPFW só querem saber dos mullets de Messi.
Racismo. Machismo. Homofobia. É chocante mesmo.
As fotos acima são só pra ilustrar que mulher entende muito de futebol, de jogar futebol, de comemorar um gol, de matar a bola no peito e de ser o tema das conversas desse blog.
E que venha a Copa de 2014, agora. Sem a necessidade de faixas e discursos combinados contra o racismo e com um futebol menos técnico e mais artístico, de preferência.
*Ok, ok, confesso que ver a Shakira linda dançando de maneira sexy no clipe também trouxe lágrimas aos meus olhos... eita menina bonita!